Gosto muito deste prato de sopa rústico e colorido e mal o vi percebi que seria muito difícil não o comprar. Não opinarei sobre a sua proveniência, pois não consigo identificar nenhum elemento na sua decoração que me remeta para um tipo específico de produção.
Não terá sido prato de casa "fina", mas se o foi, não terá certamente, passado da cozinha.Tenha ele servido quem serviu, o certo é que, para além de lhe achar qualquer coisa de familiar, gosto estranhamente dele e só há pouco tempo descobri porquê. Faz-me lembrar os coloridos panos africanos, que em Angola são designados por "panos do Congo", nome que tem a ver com a sua origem e que chegaram, em tempos remotos a ter o valor de mercadoria moeda. Claro que nesta altura, os "panos", não passariam de pequenos pedaços de tecido feitos à base de fibras vegetais, cujas únicas cores deveriam ser as da matéria prima com que eram produzidos e não tinham semelhanças com os actuais, cheios de cor e padrões variados.
Amostra de um "pano do Congo"retirada do ladyholiday.blogspot.com |
Foto retirada da net e que mostra a riqueza e variedade dos padrões dos "panos do Congo". Agradeço a fotografia ao autor que não consegui identificar. |
Nos inícios da década de setenta, em Angola, as jovens apropriaram-se do uso destes tecidos e foi grande moda fazerem com eles, saias compridas ou curtas, as famosas maxi e mini-saia :), garridas e exuberantes, normalmente acompanhadas de sapatos com solas muito grossas e saltos a condizer :) Usávamos estes tecidos e desconhecíamos por completo que cada padrão contem um nome, uma ideia ou até mesmo um provérbio, e que assim, cada pano que se veste envia uma mensagem a quem nos vê. há-as relacionadas com o casamento, a família, acontecimentos, intrigas etc. Em baixo eu, com uma saia feita de um "pano do Congo" e um grupo de amigos.
Post estranho este! Começo nas faianças portuguesas e quando dou por mim já estou estou na minha terra :) Pensando melhor, não é tão estranho como parece, este post. São objetos do meu afeto, consegui juntá-los e isso dá-lhes um sentido único.Eu, por mim, sinto-me feliz depois desta escrita.Tanta coisa que este prato me fez lembrar :) E é assim que eu gosto de recordar, sem cheiro a mofo, com saudades, mas sem saudosismos piegas.
Maria Paula sempre a nós surpriender.Achei muito interessante a sua ligaçao pessoal entre a decoraçao do prato e os "panos do Congo".Freud e outros envejariam o seu jeito de levar o material do inconsciente para a luz da consciencia.Talvez as cores garridas e misteriosas desses panos ajudem voce descobrir outras "joias interiores".
ResponderEliminarAdoro as suas saudades ou morriñas,(como diria um galego),da Angola.Pelo sorriso no rosto da moça bonita da foto,tenho certeza que foram anos felizes para serem sempre levados no coraçao.
Um abraço.Carlos
Olá Carlos Fernandez
EliminarÉ verdade que o nosso subconsciente nos surpreende.Este prato está colocado num local da minha casa por onde passo obrigatoriamente para sair e entrar.Olho para ele todos os dias e estranhava a maneira como gostava/gosto dele.Um belo dia deu-se o clique, percebi que ele me fazia lembrar os "panos" da minha terra e, de forma surpreendida percebi as origens deste amor à primeira vista. :)
As minha morriñas de Angola, são de facto grandes. Saí de lá só para vir passar umas férias a Portugal e não regressei mais.Nos últimos anos, tive o privilégio de, através da maravilhosa internet, descobrir o paradeiro de pessoas que faziam parte do meu dia a dia, de ver fotos atuais, e até de reconstituir os percursos das viagens habituais no Google Earth!E assim se vão matando as saudades, mas sempre com a ideia fixa de regressar um dia, só para ver novamente o pedaço de terra bem vermelha, onde nasci e, na qual, como o Carlos percebeu, tive uma vida muito feliz.
Obrigada pelo seu comentário, deu-me oportunidade de falar da minha terra, e é oportunidade que não perco :)
Bonito post é muito bem escrito. As imagens que algumas peças nos despertam são poderosas e provocam uma sucessão de associações de ideias que começam nos panos e acabam na nossa juventude.
ResponderEliminarGostei de ver a Maria Paula no esplendor da sua juventude, vestida com uma maxi saia africana da qual desconhecia o significado do tecido. Recordei-me que há uns tempos ajudei a receber uma delegação da Indonésia e cada um dos senhores usava uma camisa com um estampado muito colorido. Explicaram-nos que cada uma das ilhas da Indonésia tem um padrão próprio e quem saiba, pode identificar a proveniência de uma pessoa só pelo estampado da camisa.
Abraços
Caro Luís
EliminarÉ como diz. Há objetos que nos levam de associação em associação de ideias, fazendo-nos andar às voltas no turbilhão da vida levando-nos a recordar situações,quantas vezes insignificantes, e que para grande surpresa nossa,aparecem estimuladas por qualquer elemento. Quantas vezes um simples aroma é quanto basta,para que isto aconteça.
Quando somos jovens desvalorizamos muitas coisas. Se fosse hoje estaria bem mais atenta ao significado dos padrões destes tecidos.Aliás, creio que este é um bom tema para uma pesquisa. Ainda darei notícias sobre isto.
Um abraço e obrigada pelo agradável comentário.
Olá Maria Paula,
ResponderEliminarGostei muito deste post.
Já cá tinha passado, mas sem tempo para comentar devidamente.
É que tudo isto, e não só a sua fotografia com os amigos de juventude, também me transportou a umas boas décadas atrás.
Em primeiro lugar, a flor central do seu belo prato de faiança a mim não me fez lembrar os "panos do Congo" que conhecia (não o nome), mas nunca me foram muito familiares; lembra-me sim os padrões floridos das chitas portuguesas, muito presentes nas minhas memórias de infância, já que as via a cobrir camas, arcas, ou como cortinas de armários, etc.
Depois gostei muito de ver a Maria Paula muito bonita e elegante no alto das suas socas ou sapatos de salto muito alto e grosso, escondidos pela maxi :)
É que eu, pequenita como sou, aderi logo a essa moda e cresci um palmo :)Tenho uma fografia também com amigos, em Coimbra, com as minhas belas socas altíssimas e um vestido mini. Aquilo é que era elegância!!! LOL
Muito obrigada pelas belas fotografias e por estes momentos de recordações agradáveis.
Beijinhos
Olá Maria Andrade
EliminarA sua associação desta flor central às chitas portuguesas tem toda a razão de ser. O colorido berrante sem grandes preocupações de descrição são traço comum das nossas chitas e deste prato. Também me recordo de colchas e cortinados feitos de chita e, curiosamente, em Angola, as jovens donas de casa, muitas vezes optavam pelos "panos do Congo" para fazerem colchas, cortinados e até estofarem cadeirões. Como vê há muito de comum, ao uso dado aos dois tipos de tipos de tecido :)
Obrigada pela maneira como me descreve na foto, aos quinze, dezasseis anos é fácil sermos elegantes :)Sabe que ainda hoje estou para perceber como é que se aguentava um dia inteiro em cima daquela enormidade de sandálias :) e se chegava ao fim do dia como se nada fosse:)
Beijinhos também para si e bom fim de semana que já se vai adivinhando.
Olá Maria Paula. Excelente post com a associação magnífica de transportar o leitor até África!
ResponderEliminarConheço estes "panos do Congo". Tive 2 tias em Luanda, mandavam peças garridas para fazer vestidos para as sobrinhas, sacos de açúcar, de café, goiabada,colares e,...também ainda consigo recordar os cheiros das encomendas.
Por fim tive alguns bons clientes no banco que tinham casa em Portugal mas residiam mais em África. Tenho bons exemplares de pulseiras, colares e alfinetes em marfim.Estatuária em pau preto e rosa. Pedras, e um belo pano do Congo com medalhões azuis e dourados.Ainda um que me trouxe de Cabo Verde rosas de porcelana com grandes caules, imagino o transtorno no avião....e, a inveja dos meus colegas!
A foto da sua juventude é um espanto. Linda!
Quanto ao prato de faiança, curiosamente esta decoração que à primeira vista pode parecer normal,apresenta laivos de diferenças que não é habitual ver. Provavelmente é um prato de fabrico Coimbrão, pelo filete castanho no rebordo,folhas pintadas a duas cores e a flor azul ser típica dos finais do século XIX.A cor de grão do esmalte também uma caraterística, a textura grosseira da massa apesar de não mostrar o tardoz....atrevo-me a dizer que é de Coimbra.
Excelente aquisição e em muito bom estado. Parabéns.
Obrigada por me fazer recordar saudades com cheiros.
Beijos
Isabel
Cara Maria Isabel
EliminarA memória olfativa tem o condão de reavivar as nossas lembranças de forma muito intensa, não me admiro portanto, dessa sua lembrança do cheiro das encomendas. Há alguns anos, uma tia minha, que mora no Brasil mandou-me uma encomenda só de goiabas (na altura ainda não se encontravam por aqui),com o aviso que não eram mangas de supermercado, mas sim compradas na "pracinha".Recebi-as à noite, abri a encomenda,exultei de alegria e deixei-as na cesta da fruta. De manhã quando entrei na cozinha, o aroma a goiaba era de tal modo intenso,que me fez reavivar fortemente memórias e, acredite, até me foi penoso.
Já vi que a Maria Isabel tem uma série de referências sobre Angola. Curioso ter falado nas rosas de porcelana :) havia uma enorme em casa dos meus pais )
Obrigada pelas pistas que fornece sobre o meu prato.
Beijinhos
Maria Paula continua a fazer-me recordar coisas do meu passado africano.
ResponderEliminarLembro-me destes tecidos, só que em Moçambique eram denominados de "capulanas", e eram igualmente garridos.
Nunca entendi o significado dos elementos decorativos destes panos, porque sempre senti que havia um desinteresse total, por parte dos europeus, por toda a arte africana.
Aquilo que estes gostavam, daquilo que se produzia tradicionalmente em Moçambique não era mais que um arremedo de fancaria da verdadeira arte praticada naquelas latitudes. As peças de arte eram europeizadas, destituídas dos seus significados e transformavam-se em cópias pobres dos originais cheios de força.
Lembro-me sobretudo das máscaras fabulosas, todas cheias de significado, consoante o formato e decoração que apresentavam, mas que para europeu comprar, tiveram de se transformar em coisas perfeitamente anónimas e até vulgares, e que se passaram a vender ao quilo (ainda se podem ver à venda aí pelas ruas, e são igualmente pobres, ainda que, como objetos de adorno, até nem são maus).
Guardo algumas peças, poucas, mas originais, e impõem uma presença pela sua força primordial e pelo mistério que representam para nós.
Acabei por também possuir panos da Indonésia, produzidos pela técnica de "batik", e cujos elementos decorativos me fazem lembrar estes tecidos africanos.
Tenho a ideia que a maioria dos povos por onde passei/conheci, acabam sempre por produzir, por tradição, tecidos, quiçá máscaras, imbuídos de fortes coloridos, que se colam aos seus sentidos estéticos mais primitivos. Têm uma força inegualável
Está a ver onde acabei ... não sou de confiar, nem sequer falei do seu prato ...
Manel
Manel
EliminarÉ verdade que os europeus desvalorizavam a cultura africana: os conceitos estéticos de uns e de outros estavam, nas antípodas e, talvez isto, tenha conduzido à necessidade de adaptação da arte local, aos gostos da classe dominante, da que comprava. Ainda hoje é assim! Até no nosso país.:) Adaptamos a mercadoria seja ela cultural ou não, ao mercado internacional…
Falou nas máscaras africanas e recordei-me da fantástica coleção que existia no Museu de Angola em Luanda e que eu tive privilégio de ver, numa visita de estudo, orientada pelo diretor do Museu Mesquitela Lima, reconhecido antropólogo, que fez da Angola o seu campo de estudo. São, objetos carregados de significados e mistérios e, as autênticas, aquelas a que o Manel se refere, até as acho um bocado sinistras :).
Cheguei ao fim, e no meio das máscaras esqueci também, o meu prato e os “panos do Congo”:)
Uma boa semana.