A Maria Isabel, num dos
seus posts
mostrou uma linda coleção de pratos, todos eles com frases alusivas ao amor.
Fiquei encantada, especialmente com o que interroga ingenuamente “Gostas de
mim…?”
...................
Tenho dois pratos desta “faiança falante”, cada
um com a sua graça.
O primeiro, o que mostro abaixo,
felicita um casal de noivos e tem uma decoração central muito elegante.
Gosto do pormenor do fruto a
surgir do recetáculo da flor e penso que terá alguma simbologia relacionada com
a fertilidade, com os filhos “frutos do casamento”.
O segundo prato, com a frase “És má” no meio de uma decoração onde são representadas rosas, flores de silvas e folhas dentadas, conta a história engraçada de um oleiro de Barcelos, que resolve vingar-se do mau génio da mulher criando esta decoração especialmente para ela. A mulher, que era analfabeta, regozija-se com a oferta, interpretando unicamente o significado tradicionalmente atribuído às rosas ou seja o amor, a delicadeza, a harmonia, enfim, um sem número de sentimentos todos eles muito belos, mas que não correspondiam ao intuito desta mensagem. Esqueceu-se ela, de que as rosas que têm espinhos :)
Ao que consta, ficou de tal maneira sensibilizada com o gesto do marido, que o seu mau génio melhorou substancialmente, conseguindo assim, o matreiro do oleiro, algum tempo de paz. Mas um belo dia, uma amiga lê-lhe a frase que ela supunha ser uma declaração de amor e foi o descalabro, com a história a voltar ao princípio e, desconfio eu, que o mau génio se terá agudizado! Pobre homem::)
Pormenor da aba |
São histórias destas que,
com ou sem fundo de verdade, dão significado às peças tornando-as mais
apetecíveis. Confesso que comprei este prato porque conhecia a história e não
lhe resisti, ainda por cima estando ele muito barato. A decoração da aba é muito bonita, muito
simples e consegue um efeito pouco comum.
Fiz alguma pesquisa sobre
a origem, usos e costumes da nossa "faiança falante", mas nada
encontrei. Nem tão pouco bibliografia! Nada! Talvez nas bibliotecas lhe
encontrasse algumas referências, mas por enquanto o tempo não me sobra para
pesquisas mais aprofundadas. Em
contrapartida, encontrei informação muito útil e completa sobre a "faiança
falante" francesa, as faience parlante. A título de curiosidade,
pois este assunto é muito vasto e daria pano para mangas, refiro apenas a "faiança falante"
francesa com a designação de
patronymique e révolutionnaire.
A "grosso modo" pode dizer-se que a decoração da faiança
patronymique, associa uma data, um nome próprio ou de família, a uma imagem
alusiva à profissão do seu proprietário, ou a um santo da sua devoção, conforme
o exemplo da fotografia que se segue.
Faïence patronymique
Neste caso, ao nome do proprietário foi associada a data de
1746 e
uma representação de São João Batista. Imagem retirada daqui |
A decoração da faience révolutionnaire produzida entre 1789
e 1799, tal como o nome sugere está intimamente ligada aos acontecimentos da
Revolução Francesa representando os acontecimentos da época. Os estudiosos, referem
o período entre 1790 e 1792, como o pico da produção deste género de
faiança, justificando o desfasamento
entre os principais acontecimentos da revolução e a sua produção, com o facto
de as principais manufacturas estarem
localizadas na província, o que, certamente, atrasava a chegada das
notícias e rumores. Se tomarmos como exemplo Nevers, que fica
aproximadamente a 260 km de Paris, compreenderemos melhor o referido
desfasamento.
Nevers -Grande centro de produção de faianças e um dos mais antigos em França. Foto daqui |
Em Portugal, à exceção das
mangas de farmácia, não conheço exemplos de "faiança falante" tão
antigas quanto o exemplo destas faianças francesas.
Fonte - http://www.alienor.org/ARTICLES/faience_patronyme/index.htm
Mea culpa, mea culpa. Ignorem o
parágrafo de cima.
O gentil e útil comentário
da Maria Andrade a este mesmo post, remeteu-me
para o site MatrizNet onde se podem ver alguns exemplares de “faiança falante”
portuguesa (embora não sejam assim designados neste site). As datas de fabrico
atribuídas às peças que aqui mostro situam-se entre os séculos XVII e XVIII.
![]() |
Imagem retirada daqui. Datação da peça entre 1650 e 1725 |
![]() |
Imagem da MatrizNet. Peça do museu de Évora e datada entre 1676 e 1700 |
Depois de começar a rever este
post descobri, muitos mais exemplares de "faiança falante"
contemporâneos destes últimos, embora nenhum deles apareça com a
designação de "faiança falante". O próprio José
Queirós no seu livro que já aqui citei, refere estudos
sobre a faience Patriotique , usa o
termo "faiança patriótica" a propósito de algumas peças da
nossa faiança, mas, do que li neste seu livro, nunca encontrei o
termo "faiança falante". Será, que no caso português, se pode deuzir
que este termo é mais usado em informalmente e não tanto em contexto
científico? Seja como for, gosto muito deste género de faiança, que nos
conta bocados da história de cada um ou de uma ocasião.