A variedade da decoração da
faiança inglesa não pára de me surpreender. Parecia-me a mim, mera amadora
nestas questões, que os temas se esgotavam com os motivos vegetalistas,
paisagens imaginárias ou cenas românticas, mas não. Há já algum tempo que fui descobrindo
várias peças pertencentes a serviços de mesa decoradas com temas, que à luz dos
gostos de hoje são no mínimo, surpreendentemente inesperados. É o caso desta
travessa decorada com cenas da mitologia, uma das peças do grupo de que
falo atrás, à qual não resisti e acabei por comprar pela curiosidade que me
despertou.
Eu sei, que os meus comentadores habituais sabem bem, o
quanto uma peça menos usual estimula a nossa curiosidade, levando-nos de
pesquisa em pesquisa, aprofundando uns assuntos e descobrindo outros, com a
esperança de ficarmos a conhecer melhor a peça em questão. Foi assim que, após
alguma pesquisa descobri com muita satisfação a gravura que deu origem à
decoração central desta travessa e que representa regresso triunfal de Dionísio
de uma das suas campanhas à Índia.
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The procession of Dionysos (fig. 51) |
Este catálogo inspirou várias manufaturas de cerâmica que
não desperdiçaram a oportunidade de irem ao encontro do gosto do grande público
pelos objetos de tendência neoclássica, surgindo assim o motivo compreensivelmente
designado por “Greek”.
Quanto à origem da minha travessa que não está
marcada e por comparação com outras peças atrevo-me a pensar que poderá se uma produção
da Spode. Em todos os pormenores ela é igual às peças que podemos
ver na exposição on line desta manufatura, apresentando as mesmas caraterísticas, ou
seja, para além da figura central, lá estão na aba, os quatro vasos e os painéis figurativos sobre
um fundo de parras e bagos de uva soltos pela folhagem.
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Em exibição na Exposição on line da Spode |
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Travessa atribuída a Herculaneum no Lovers of blue & white |
Mesmo assim acreditam que este padrão terá sido usado em Liverpool, uma vez que, quando a fábrica fechou, foram encontradas uma série de placas de cobre usadas na técnica do transferer printing e uma delas ostentava o título de Charrioteers, referindo-se provavelmente ao motivo "Greek". Um destes autores, Peter Hyland refere mesmo que no museu de Liverpool, foram retiradas de exposição um grupo de peças com esta decoração, não marcadas e atribuídas a Herculaneum, pois existiam sérias dúvidas sobre a sua origem. Continua, afirmando que até ser encontrado um exemplar "Greek" marcado, todas as peças devem ser consideradas de origem desconhecida.
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Parte de um serviço atribuído a Herculaneum à venda na Christie's |
Portanto, resta-me ficar muito contentinha
com a minha travessa sem marca e que há
força de tanto olhar para ela, já não acho estranho se tivesse que aqui servir,
em cima deste Baco vitorioso, um rosbife
acompanhado de esparregado, que acho que é coisa mais portuguesa.
HYLAND Peter. The Herculaneum Pottery: Liverpool's Forgotten Glory: Liverpool: university press, 2005
SMITH Allen. The Ilustrated Guide to Liverpool Herculaneum Pottery London Barrie & Jenkins 1970