Intriga-me,
este "Willow" da Real Fábrica de Sacavém comprado há poucos meses
numa feira aqui no Norte e que, neste motivo, é dos mais bonitos que tenho
visto, talvez, porque a sua decoração preenche bem todo o espaço do prato.
O que me intriga? Primeiro, a marca, que é
muito semelhante a uma que consta no Dicionário Marcas
de Faiança e Porcelanas Portuguesas correspondendo ao ano de 1885
e que apresenta as letras B H S. &; Cª. No meu prato,
para além do H ser substituído por um R, há uma colocação diferente dos
pontos. Não sei se este último pormenor é ou não relevante.
Mas voltando às iniciais e sabendo-se que elas, na primeira marca que refiro significam Barão de Howorth de Sacavém & Companhia, o meu prato pertencerá a outra época, e/ou outra administração, e estranho que apesar de ter feito muita pesquisa, nunca encontrei nenhuma marca igual a esta. Poderemos estar perante um qualquer erro, por exemplo um erro de impressão. Acrescento ainda que a palavra que encima esta marca não é CHORÃO, mas qualquer coisa como CHON… a última letra é impercetível. Outro erro? Já me parecem erros a mais.
A segunda questão que me intriga é o conjunto de
letras que se pode ver na foto de baixo e que desde o início eu assumi
pertencerem à palavra Maria. Há ainda um grupo de uma ou duas letras
ligeiramente acima que eu não consigo decifrar. Escusado será dizer que fiquei
a cogitar sobre quem seria esta Maria.
Enquanto me propunha desvendar o enigma de letra R, se
é que há algum :) descobri uma marca de Sacavém que mostro a seguir, e que
refere uma D. Maria Francisca Meuron de Araújo, como sendo pintora
amadora. Fiquei em pulgas! Começava a tomar sentido aquele nome! Mas nada é
linear e simples. Como se pode ver na fotografia de baixo, a inicial Q que se
segue ao Maria, não corresponde, como seria de esperar ao nome Francisca. Já a
letra G poderá corresponder ao apelido Gomez, apelido que Maria Francisca
tomou por casamento, conforme veremos mais adiante.
Uma pesquisa no Google, sobre esta senhora levou-me até à
sua árvore genealógica, onde se fica a saber que casou com o Conselheiro
Augusto Gomez de Araújo (leremos qualquer coisa sobre ele já a seguir) mas, o
mais relevante para este post é sem dúvida a referência que lhe é feita no
livro de José Queirós, Cerâmica Portugesa, e que passo a transcrever.
'um celebre serviço de mesa, feito em Sacavém para a casa daQuinta-Grande — Barreiro, de que é proprietário o nosso amigo o Sr.Conselheiro Augusto Gomez de Araújo, encontram-se numerosos nomes aassignarem as diferentes decorações nas peças de que se compõe o serviço,por tantos titulos interessante. São elles :
D. Maria Francisca Meuron d'Araujo, D. Maria Benedicta de Sousa de Meuron d'Araujo, D. Anna Jechtel, D. Catharina Costa, Manuel Braga S. Romão, D. Fernando de Serpa, Raphael Hogan, Henrique Possolo, Eduardo Braga, Augusto Carlos Mattos da Cunha e Augusto Gomez de Araújo (p. 88).
Chego
ao fim desta pequena pesquisa e outras questões se foram levantando, pelo que
não cheguei a conclusão nenhuma, apesar de em alguns momentos, ter tido a
convicção de que este prato poderia ter pertencido ao referido serviço de mesa.
Muitas coisas ficaram por esclarecer. Por exemplo, o "R" do meu prato
referir-se-á a Alice Rawstron, viúva do Barão de Sacavém, que após a morte do
marido estabeleceu uma sociedade comanditária com o antigo guarda -livros da
fábrica? Se se atribui a Maria Francisca a marca que mostro em cima, porquê um
Q e não um F? Perguntas que ficarão por responder, ou talvez não. Temos
assistido aqui, nesta pequena comunidade de amantes de velharias, ao desvendar
de alguns "mistérios", bem mais intrincados do que este :)
Olá Maria Paula,
ResponderEliminarVocê já tentou entrar em contato com o pessoal do blog "Memórias e Arquivos da Fábrica de Loiça de Sacavém"?
http://mfls.blogs.sapo.pt/
Talvez eles possam te ajudar.
abraços
Fábio
Olá Fábio
EliminarMuito prazer em revê-lo por aqui.
Não entrei em contacto com o mfls, mas não descarto essa hipótese, mas li atentamente grande parte dos seus posts dedicados às louças de Sacavém e nada encontrei.
Um abraço
Maria Paula
Olá Maria Paula,
ResponderEliminarEm primeiro lugar, os meus parabéns pela compra do prato, um Willow na nossa versão Chorão, num azul muito bonito de Sacavém!
Quanto à marca, são estes desafios que motivam pessoas cuscas como nós! LOL.
Penso que alguém, talvez um aprendiz inexperiente e analfabeto, andou ali a trocar letras e a acrescentar pontos, até a seguir ao & !!! :) Se reparar, não só usou um R em vez de um H em BHS, mas também usou um M ou H em vez do R em Chorão.
Não sei o que significará a inscrição Mari,talvez Maria, mas calculo que as iniciais manuscritas Q G na outra marca signifiquem Quinta Grande, já que era o nome da casa dessa Maria Francisca e do Conselheiro Augusto Gomez Araújo. Mais, numa outra marca de Sacavém que encontrei no meu livro de marcas de José Queirós está um ARº para Araújo, seguido das mesmas iniciais QG.
Parte do enigma está descoberto, mais não lhe sei dizer.
Um abraço
Olá Maria Andrade
EliminarPrefiro pensar que há um grande enigma à volta da troca das letras :) Sou uma incorrigível sonhadora :)Mas agora falando seriamente, acho que se tivermos em consideração,o apelido da legitima mulher do Barão de Sacavém - Rawstron - e que foi esta que lhe sucedeu na administração das fábrica, talvez (e agora especulando outra vez), como retaliação pela ligação ilegítima que o marido manteve, dando honras "à outra" de usar o título de baronesa de Sacavém, ela tenha decidido banir o H de Howorth e substituí-lo pelo R do seu apelido :)
Não me ocorreu a sua hipótese, muito bem observada, de o Q e o G, significarem Quinta Grande, mas não nos podemos esquecer que ela era Gomez de apelido.
Muito obrigada pela sua colaboração e bom fim de semana.
Beijos
Olá Maria Paula. Admiro a forma como nos surpreende - desta vez com uma exaustiva explicação sobre um modelo de prato que à partida parece de atribuição fácil, e não é - Muito interessante as suas análises. Pensei que a poderia ajudar pois tive uma grande travessa oval com este motivo que me foi roubada da casa rural.Era bem antiga tal como o seu prato.
ResponderEliminarNoutra casa enchi uma parede só com este motivo de várias fábricas:Sacavém;inglês;China e...
Ficou agradável.
Beijos
Isabel
Olá Maria Isabel
EliminarMuito obrigada pelo seu comentário. Pesquisar sobre este prato, deu-me um prazer imenso, ocupou boa parte do meu tempo livre e eu fiquei a saber um bocadinho mais :) Quando leio sobre o roubo das suas peças, da sua casa rural,imagino o seu desgosto! Se me acontecesse ficaria doente por uns dias.
Sabe que acho muito interessante essa ideia de se agruparem as peças por temas, ou motivos. Acredito que tenha fica bonito e além do mais, é uma boa maneira de irmos estabelecendo comparações, ver as diferenças e semelhanças, é um "jogo" interessante de se fazer, :)
Beijos e bom fim de semana.
Este seu prato traz-me à memória que é a segunda travessa "Willow Pattern" que consigo escaqueirar em milhões de bocados!
ResponderEliminarEram ambas inglesas, mas nem o facto de terem vindo das estranjas conseguiu deixá-las incólumes! A prateleira onde estavam caíu e ... foi uma desgraça! :-(
Gosto imenso deste seu prato e isso tem a ver com este motivo, um dos mais bem conseguidos da faiança inglesa oitocentista. Basta ver o quão se tem copiado e reinterpretado pelo mundo inteiro e como é intemporal, pois quer hoje como ontem, continua a ser alvo de ávida procura.
Não sabia que o maroto do Barão se tinha ligado com "uma qualquer", parafraseando a minhã mãe!
Então ele andou metido numa de trocas e baldrocas!!!! Já não se pode confiar em ninguém, nem mesmo nestes ingleses tão retilíneos e com aspetos tãos austeros!
Ainda se tivessem o sangue quente dos latinos, agora ... nórdicos ...
Mas gostei muito de saber a história, que não conhecia, e, na verdade, este facto pode explicar muita coisa no comportamento da abandonada, com consequências previsíveis na identificação da loiça.
Uma boa semana, e, mais uma vez, agradeço-lhe a história, que aligeirou um pouco este tempo último, que não se mostrou muito fácil de ultrapassar.
Manel
Olá Manel
ResponderEliminarSempre que cá em casa se parte uma das minhas peças de louça, o que felizmente é muito raro, fico intratável. Esquecer é um problema…os preços dos restauros, estão pela hora da morte, perante isto, só me resta inspirar profundamente, ensacar os cacos e dirigir-me ao Sr. Moisés, que faz os preços consoante o volume do trabalho que tem em mãos. Mas como o senhor é muito competente, garantindo um restauro irrepreensível, os clientes vão relevando, esta questão.
Também desconhecia este pormenor da vida do barão, (ainda bem que teve o condão de o animar) mas quando li a história, achei que poderia ser uma boa explicação para o misterioso R :) Quantas vezes questões pessoais não interferem no rumo da história!
Quanto às diferenças entre nórdicos e latinos :) se as houver, não serão estas certamente. Neste campo, sobrepõe-se o género humano :)
Uma boa semana e que seja melhor que os últimos tempos. Um abraço